“A Vida Invisível”: Um complicado retrato de família

“A Vida Invisível”: Um complicado retrato de família

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Vimos o brasileiro pré-indicado ao Oscar, e sua história perturbadoramente comum – à uma grande parte de nós, inclusive


Quando a vida é o próprio empecilho, como se conta a história? E quando sonhamos que a grama do vizinho está mais verde, quão triste é saber que não?

“A Vida invisível”, filme nacional que estreou nas salas de cinema, passa por estes sentimentos de maneira tão perturbadoramente forte que merece os elogios conquistados mundo afora. O filme foi vencedor de um prêmio especial no Festival de Cannes, e é a seleção nacional para tentar uma vaga no Oscar de 2020.

Veja o trailer aqui

Inspirado no livro de Martha Batalha, “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” retrata os desencontros de duas irmãs, Guida (Julia Stockler, da novela “Éramos Seis”) e Eurídice (Carol Duarte, da série “Segunda Chamada”). Guida e Eurídice sonham em se reencontrar enquanto tocam suas vidas no Rio de Janeiro da década de 50, cada uma delas acreditando que a outra está numa condição melhor que a sua, à um oceano de distância.

Um drama, no melhor(?) sentido da palavra

“A Vida Invisível” é um filme de drama, de maneira literal. É um filme que vai cortando as esperanças à medida em que a vida das irmãs acontece, e deixando um sentimento bizarramente triste, mas conhecido do espectador. A vida não tem só alegrias. E o filme imita a vida.

A história contada pelos olhos de Guida, uma mulher que tenta refazer sua vida depois de ser expulsa de casa, não tem flores nem brilhos: É crua, pesada e tristemente comum para uma mulher que viveu àquela época. Não deve ser difícil de se encontrar histórias de “Guidas” entre nossos conhecidos que passaram pelas décadas de 40 a 70 do Brasil.

Assim como a história de Eurídice, a menina que sonhava em ser uma pianista internacional, pouco a pouco vai vendo aquele desejo menos provável, embarcando numa família “tradicional” daquele tempo, também nada tão difícil de se pesquisar e encontrar histórias parecidas por aí.

Atuações intensas , tecnicalidades ótimas

Carol Duarte e Julia Stockler dão vida a duas personagens que tem vida intensa, mas que não perdem o foco principal: O sonho do reencontro. Ambas as atrizes tem um jeito de se colocar em cena que mantém uma chama de esperança acesa, mas que esbarram nas dificuldades da vida em si.

A direção de Karin Aïnouz (que também fez “Praia do Futuro”) mantém a toada do filme durante toda sua duração, sem perder o ritmo do filme numa história que fica um pouco longa dentro de suas 2h20 de duração. Vale destaque a direção de arte e figurino, que conseguiram reproduzir as humildades da vida dos brasileiros dos anos 50, com casas, móveis e vestimentas que traduzem não só uma época, mas a época DO JEITO QUE AQUI CHEGOU. “A vida Invisível” quase traz aquele “cheiro de guardado” de álbum de fotografias de família, ora saudosa, ora incômoda, mas sempre brasileira. Isso é um ponto muito interessante da obra.

No fim, ainda ganhamos um presente com Fernanda Montenegro. Quando ela chega ao filme, a câmera sequer ousa focar em outros. E todas as expressões do momento em que ela surge são de se dar graças a Deus por se ver uma estrela como ela em ação, num ano em que nossa única indicada à academia na história completa 90 anos de idade.

Elogios também para as atuações de Gregório Duvivier (do “Porta dos Fundos”) e António Fonseca (“Florbela”), que interpretam dois maridos e pais daqueles “tradicionais” e “linha-dura” como se conhecem por aí.

Chances no Oscar?

Indo ou não à cerimônia do Oscar, “Eurídice Gusmão” terá um concorrente pesado: O sul-coreano Parasita , que é tido por muitos críticos como franco-favorido à melhor filme estrangeiro.

Mas independente de Academia, os elogios ao longa-metragem só aumentam: Além de Cannes, “Eurídice Gusmão” já foi nomeada ao Spirit Awards, a premiação do cinema independente.

Uma história que precisa ser emoldurada junto do quadro de família

Antes de preocupações com prêmios, é importante se preocupar em levar mais pessoas a desafiarem-se com o fogo que tem este longa.

Lindamente fotografado e complicado de tão duro, “A Vida Invisível” é mais que um filme com alguma tristeza, ele é o drama de várias mulheres ao longo da história brasileira também. Histórias fáceis de se identificar entre mães, tias, avós e conhecidas, todas traduzidas nas perdas e desencontros que Karin Aïnouz imprimiu em tela. E no fim, a maior tragédia do filme talvez seja esta: A de não ser a história só de Eurídice Gusmão e de Guida, mas também de Antônias, Teresas, Joanas… a de ser a história que conta o silêncio ensurdecedor dos sonhos deixados para trás.

No fim, como diz a canção de anos depois, “Choram Marias e Clarices no solo do Brasil”. Um Brasil que não teve nada de fantasioso no filme, mas que invisibilizou as fantasias de várias mulheres país afora, que assim como Guida, ficaram sonhando com a tal vida invisível de Eurídice Gusmão.

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