O paradoxo do crítico amargo

O paradoxo do crítico amargo

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Assistir a um filme é tão tentador à conversa que alguns profisisonais simplesmente afastam as pessoas por sua chatice.


É tão bom quando assistimos a um filme que gostamos… pra cada um existe uma forma de reagir, desde o momento de ficar calado, “digerindo” as passagens da obra, até a vontade de colar no amigo ao lado pra discutir sobre aquele tema. Este que vos escreve faz isso bastante no podcast do Cinema em Série, inclusive.

Das tentações após assistir a um filme, uma das maiores deve ser a de contar sobre ele aos amigos, aos colegas… aquela vontade de ‘vem ver isso aqui, é sensacional!‘ ou ainda, de prevení-los de uma obra medonha e poupar o tempo dos outros com aquela tragédia. Você pode até ter outra profissão, mas neste momento, agiu como um crítico.

Isso é uma visão muito superficial do que acaba a vir a ser um crítico ou o papel dele. Não tenho a intenção de me destrinchar também, porque não é a idéia desse texto. Mas existe um ponto – que deveria ser de atenção – aqui: Filmes tem público-alvo. São para um grupos de pessoas, ou para as opiniões deles. Isso quer dizer exatamente o que parece: Ele não tem pretensão de agradar 100% das pessoas, até porque aqueles que o tentam são exatamente o que tendem a ser mais malhados pelo público, porque ficam fracos demais pra quem espera além e desinteressante demais para quem já está acostumado com aquele formato.

O Anti-Jogo

Só que na hora de compreender a audiência é que alguns críticos jogam contra. Eles não são divulgadores do que há de legal no cinema. Alguns profissionais parecem agir como se fossem os messias da sétima arte, aqueles que tem um ar de que o mundo é ruim e desinteressante. Ou pior: Como se soubessem mais de cinema do que os outros que assistiram o mesmo filme. Porque é isso que cada texto dele, ou cada vídeo no Youtube dela, fala nas entrelinhas: “Olha, vou te explicar esse filme aqui, porque você não entenderia sem mim”. Sem, perceber, ele vai deixando de prestar atenção no que as pessoas assistem lá fora, pastelão, cult ou não. E a opinião dele deixa de importar, porque nada mais que ele diga é bom, ou porque sua própria opinião ficou para um nicho de outros amiguinhos críticos. Aí esta pessoa deixou de ser fulana(o), crítico. Para fora da bolha, esta pessoa vira um anti-cinema.

A personagem de Naomi Watts, de “Birdman” (2014), era uma crítica amargurada, que parecia odiar a arte.

Uma obra, um momento

Assim como música, filmes são para o momento que eles se passam. Quantas vezes você ouviu uma canção, não gostou, mas tempos depois notou outra coisa ali? Assim é com comida, assim é com música, assim é com o cinema. No fim do dia, filmes tem mais a ver com “sentir” que com “compreender”, e é fazendo sentir que eles nos ensinam algo.

Algo que nos traz tanta diversão e sentimentos como assistir a algo precisava de conversas mais amenas e bem divertidas, porque sentimento não tem certo ou errado. Mesmo os filmes mais políticos tem de tocar algo dentro da platéia para enviar a mensagem corretamente. Aí existem milhões de filmes que mesmo claramente políticos, nos tocam com algo, seja lá o quê.

Deveria ser parte do curso de cinema: “Não seja um chato”. “Não seja mau”. “Evite ser pedante”. Porque a tentação de ‘criticar’ sobre um filme tem sido vista com a soberba de quem pensa que está acima de seus leitores/ouvintes. E curiosamente, isso faz que o crítico tente impigir sua opinião como lei e se perde nessa chatice que virou sua análise sobre cinema; Vira uma ditadura, onde se pensa que tem o poder de ditar o que alguém deve ou não assistir. Ele mesmo não percebeu que gastou tanto tempo no último vídeo explicando as ramificações de um curta-metragem que ao invés de soar como empolgante simplesmente virou ele mesmo(a) um … chato.

O valor de um filme se estende para mais do que sua qualidade técnica, seu roteiro shakesperiano ou sua fotografia-noir-do-cinema-iraniano-da-década-de-30. O valor do filme ainda se baseia, para o grande público, em simplesmente entreter. E é entretetendo que causa fascínio e vontade de voltar a assistí-lo. É assim, como um relacionamento dá vontade de continuar: É assim a vontade de estar com um balde de pipoca e assistir a um filme que entretenha. E como entretém, eu gosto. E gosto, fatalmente o verei de novo, e me fará pensar. Mas só gostando dele, eu conseguirei me importar com todo o restante que envolve ele. Não o contrário.

O crítico de “Ratatouille” : Na moral da história, “sentir” era o que faltava pra ele.

Mais amor, por favor

Cinema tem que ser gente. Filme tem que ser pra todos. Não existe filme mais inteligente do que outro, existe é filme mais acessível para um público que outro. Mas acessibilidade em gêneros só depende de pontes de conhecimento, que se transita por elas e volta como uma estrada quando se quer, e no caso do crítico, ele mesmo pode ser esta ponte, não o pedágio.

Dar visão ao seu filme é responsabilidade de quem o faz, e dar notabilidade a um filme deveria ser papel de quem é capaz de assistir e contar aos outros o que viu. Como alguém que ama, não como alguém que parece estar de saco cheio. Pra quem respira cinema, deveria soar como um dever ser ele mesmo a ponte entre o público e uma obra, não só pelo seu gosto pessoal. E num mundo perfeito, isso vai desde o pipocão de hollywood até o mais introspectivo conto chinês.

Embora eu ame cinema, eu amo ser platéia. Sem a pretensão de guiar ninguém. Porque não sou ninguém pra “explicar” um filme ou “criticar” no sentido de pejorar uma obra. Eu só quero compartilhar uma emoção com quem também vê filmes comigo. E o que eu sinto vendo um filme não precisa de explicação nenhuma. Às vezes eu só preciso de alguém pra ouvir comigo, não que tente ditar o que ver ou não.

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